terça-feira, 20 de setembro de 2016

Mulher procura...



Mais amor no mundo e felicidade no bolso, porque de nada vale o dinheiro se o coração for apertado e abarrotado de ignorâncias, rancor e tristezas. Procura também que as guerras se desfaçam, mas a luta por poder é tão grande que nada impedirá o mundo de entrar em guerra e do homem não viver em paz. Procura por estrada de certezas e confiança, mas, principalmente, uma boa virada de Fé, porque de nada vale o homem sem a fé para te manter firme. Procura um olhar que brilha, mas brilhe tão forte quanto a Lua ou até mesmo as estrelas naquele céu escuro. Procura desejos ardentes daqueles de livros de romance. Procura uma festa bacana para dar muitas risadas com os amigos sacanas, só por uma brincadeira saudável. Procura uma música empolgante, mas não quer que a letra faça sentido, porque ela só quer dançar e dançar. Procura uma cor menos escura, mais brilhante e que destaque sua personalidade incrivelmente alucinante. Procura um lugar diferente, mais afastado da correria diária. Procura uma flor mais azul, tão azul quanto o mar claro. Procura um sorriso sincero, tão sincero quanto os poemas de Carlos Drummond. Procura uma vontade, uma sensação diferente, mas que te faça vibrar. Ela procura um telefonema de madrugada, procura aquele mato verde para deitar, procura simplicidade nas palavras, procura uma palavra amigável, procura um lugar agradável, procura um sonho que mude o mundo. Ela procura atitude nas pessoas, ela quer atos e não só palavras. Ela procura a esperança de chegar à esquina e ser abarrotada de presentes. Ela procura muita coisa para um mundo tão pequeno e um coração tão grande. Ela procura acordar todo dia, saber que está respirando e agradecer por estar viva.

Texto e ilustração: Karolini Bárbara

domingo, 14 de agosto de 2016

sexta-feira, 15 de julho de 2016

A tal rua dos desejos.


Peguei-me pensando em você e naquele nosso primeiro encontro; que a meu ver fora uma cena tirada de um daqueles filmes de menina que você tanto gosta.

O brilho dos teus olhos vez ou outra ofuscava as luzes da avenida movimentada.

Rua dos desejos, fora o que me dissera de forma tão convicta me apresentando a tal rua. Relembrando o momento, acredito não ter durado mais do que alguns minutos; mas senti como se tivesse durado por um momento infinito. As palavras saíram de seus lábios e quase de imediato concordei. Rua dos desejos. Era isso... E você era a prova viva.

Te desejei desde a primeira mensagem incerta. E ali, entre as palavras nervosas e gestos agitados... ah, como eu te quis, menina. Era difícil me concentrar com seus lábios dançando daquele jeito. Ou quando teus olhos encontravam os meus.

Tremi na base tantas vezes que nem me recordo.

E depois nossos passos seguiam calmos contra o chão gramado, mas mais parecia que caminhávamos
rumo ao infinito estelar naquela noite acho que me perdi no céu da tua boca e nas galáxias do teu corpo, moça.
[e por lá fiquei.]

Autora: Lorena Ferreira
Ilustração: Leonardo Alves

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Horóscopo.



Já viu o seu horóscopo hoje? Não?! Se acalme que a cigana Catita tem previsões para você.

Áries: Seu mês é bom, mas não é só mês que é bom, a vida é boa. E você deve estar ai quase sendo engolido pelo sofá enquanto assiste ao filme “A Lagoa Azul” pela décima vez na GLOBO, porque diz não ter nadas mais a fazer. Então tome cuidado para não deixar o tempo te esmagar.

Touro: O teu reflexo de hoje está embasado. Já tentou limpar o vidro do espelho para se ver melhor? Talvez teu reflexo possa estar sujo, porque o espelho está sujo e você achando que é a vida que está embasada. Mas cuidado ao sair na rua e não ver o que tem a sua frente, pois talvez esteja precisando de óculos.

Gêmeos: Não! Você não tem uma pessoa igual, idêntica a você na rua. No máximo terá uma personalidade como a sua, ou alguém que te imite, ou alguém que te omite, mas que seja só mais um no mundo.

Câncer: Talvez você se masturbe hoje e goze da vida, porque não encontra aquela boa foda que te transporte a um orgasmo surpreendentemente espetacular, pois sabe que quem goza a vida é constantemente fodido pela mesma. Cuidado.

Leão: Não é que você tenha um cabelo no estilo Gal Costa, mas de repente mudar te transporte a uma outra atmosfera. Então cuidado ao retirar teus defeitos das séries de efeitos, pois não se sabe o que mantêm erguido nosso edifício.

Virgem: O que não quer dizer que seja virgem de fato! Mas pode ser que seja virgem de não tomar chuva, ou de não pintar o cabelo, ou de não lavar as mãos ao sair do banheiro, ou de não dizer “Bom dia. Como vai?”, ou de não ser eloquente, enfim são várias as virgens que têm espalhadas pelo mundo a fora, e você talvez tenha algo que esteja na hora de desvirginar – se é que essa palavra existe.

Libra: Tenho certeza de que não é uma moeda, porém acredito que tenha algum dinheiro – seja ele europeu, ou brasileiro, ou norte-americano. Pode ser também que não tenha nenhum dinheiro, afinal de contas nesse país só político e funcionário público do GOVERNO para receber no início do mês. Se você não é desses…

Escorpião: Deve ser daquele que tem garras, ou unhas, ou força de vencer, porque é isso que te motiva, pois essa é sua eloquência de dizer é isso que eu sou, e vou te provar que dou conta. Então você tem garras, ou unhas como preferir, mas cuidado ao usar para não machucar ninguém.

Sagitário: Hoje você é pura preguiça. Só come e dorme, e nem é adolescente – as pessoas têm mania de dizer que o jovem é isso e aquilo outro. (Deixa o jovem viver!). Procure algo novo para fazer.

Capricórnio: Está na hora de moderar: moderar o ânimo, as palavras, as escolhas, as decisões, as provisões, as estatísticas, os medos, os horrores, a fome, a preguiça, menos a vida. Modere tudo só não modere a vida.

Aquário: Olha cara… Viver em um aquário boiando não dá! Você tem que ir atrás e parar de esperar. Sei lá… Vai pular! Quem sabe o que te espera lá embaixo? Nada é tão complicado que não se possa perder. Deixe os poemas do Carlos Drummond e vai filosofar o quadro de Van Gogh. Quem sabe o que ele pode te mostrar?

Peixes: Não nade sempre em águas rasas, a graça de algumas coisas está em se afogar no mar fundo e depois tentar subir a superfície, porque sabe que dá para fazer. Sabe que tem como chegar com todo o fôlego – ou quase todo. Mas nade. Vá até onde der; se não der mais, suba para a superfície e respire mais um pouco, pois sempre dá para nadar mais.


Autora: Karolini Bárbara
Ilustração: Leonardo Alves

terça-feira, 5 de julho de 2016

Blackout.



Eu queria um mundo com menos luz, mais escuridão

assim poderia analisar melhor as estrelas, contemplar a imensidão

ver o canal de planetas da enorme televisão,

ofuscada pelos milhares de vaga-lumes vagabundos terrestres,

perdida no antro elétrico da civilização.


Autor: H.
Ilustração: Wagner Medeiros

sábado, 18 de junho de 2016

Querido senhor Sabichão,


creio que faça jus ao apelido se comparado a tudo o que você sabe e aprendeu ao longo de seu curto tempo caminhando em crostas terrestres. Acredito que toda a sabedoria adquirida nos livros, teorias e pesquisas sirvam para uma porção de coisas como afagar o ego, elaborar uma conversa com um estranho sobre determinado assunto e uma infinidade de coisas que não cabem nesta folha de papel, mas Infelizmente todas essas teorias, pesquisas e informações que você carrega com tanto esmero, se contradizem e caem uma perante a outra porque nenhuma é sólida o bastante para compreender esse bicho arisco e complicado que a vida tem sido desde que Existência tomou consciência. 

É uma pena que você não tenha lido os livros certos, porque se tivesse se interessado por um livrinho fino e colorido com um garoto loiro de conjuntinho verde em traço torto na capa saberia que "o essencial é invisível aos olhos" e não há livro ou teórico bom o bastante que nos ajude nessa loucura cotidiana que é a vida com todos o seus setores concretos, abstratos e sonhados. 

Em seu vasto repertório falta o estudo dos sentimentos, o convívio para além das páginas, a sensibilidade e a percepção. Falta empatia e principalmente amor. Sim, meu caro,  AMOR essa palavra curta com milhões de significados, ideologias e interpretações em que todas parecem corretas, mas que no fundo jamais se soube definir bem o que é. 

Eu bem que tentei te ensinar sutilmente e te entreguei todo o meu coração, sem pensar muito no que aconteceria depois. Fostes um hóspede que desde o primeiro instante fora tratado como proprietário. Alguém que eu pensei ser capaz de aprender a amar como livro algum jamais ensinou, porque o amor precisa ser vivido e construído diariamente. Mas a sua obsessão pelo saber tornou-se a sua loucura. Não entende que a compreensão total dos sentimentos é algo para o coração, aquele órgão abstrato que venho lhe falando diariamente e que não é possível encontrar nas prateleiras de biologia das mais completas bibliotecas. 

Para ser mais didático e garantir que compreenda: Numa relação bem simples eu estive para nós como você nunca esteve nem para você mesmo. 

Estive porque amanhã de manhã já não estarei mais. E finalmente me livrarei dessa relação de mestre e aluno, cuja tanto me desgastou.  Espero que um dia você perceba que essa história toda de "aluno e professor" só cai bem para a música do cazuza. 

Do seu pupilo grato pela bênção de jamais ter aprendido uma lição sequer.

Autor: Kelven Figueiredo
Ilustração: Wagner Medeiros

terça-feira, 14 de junho de 2016

Quando o amor passou a ser sintoma de doença.



Não me lembro bem, mas tentarei relatar os fatos tais como ocorreram.

Fora naquela manhã, antes deu ir p’ra a faculdade – seus lábios foram de encontro a minha pele, ao que seus dentes cravaram-se numa mordida súbita em minhas costas – e só me dei conta quando já estava na metade do trajeto, quase em colapso num dos assentos do metrô.

Meu corpo febril e entorpecido me informava de que algo estava errado.

Calafrios me atingiam vez ou outra em contraste com as batidas aceleradas do meu coração – que mais parecia querer compensar as pulsações, pois pararia a qualquer instante.

O metrô aparentava correr em câmera lenta sobre os trilhos. Algo estava errado e eu só conseguia pensar no ocorrido daquela manhã.

Flashes borrados e distantes disparavam em minha mente.

A ficha estava caindo.

Acho que havia chegado minha hora.

Lá estava eu, sendo atingido pelas sensações que me invadiam o corpo sem nem ao menos pedirem licença.

Vivíamos num mundo no qual lutávamos por uma sobrevivência cotidiana mesquinha. Num momento de distração, descuido, guarda baixa... Deixei-me contagiar.

Seria meu fim ou um começo de uma nova vida tão pouco desejada nas situações atuais?

Lembro-me dos teus olhos sobre mim, como quando admiramos uma torta de frutas vermelhas atrás do balcão. Naquele momento, pensei estava eu protagonizando o papel de presa em seu show e ela não parecia querer abrir mão daquilo. Hipnotizou-me com teus beijos. Marcou-me com tuas mordidas. Ganhou-me com tuas juras...

É, meus caros antes eu estivesse me transformando em um zumbi sedento por cérebro, mas acho que estou apaixonado… sedento por alguns afagos. 


Autora: Lorena Ferreira
Ilustração: Lua Burns

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Guarda-roupas.



Vou pegar o controle do som que está no outro sofá e sou obrigado a tirar, infelizmente, o meu gato do meu colo. Já faz umas meias hora que estou desabafando para o coitado do felino que deve estar cheio de tanto comer e cheio de mim. É uma tarde diferente: estou me sentindo sozinho. Faz séculos que não sinto a solidão, porque é sempre tão presente que quase nunca bate forte. Talvez me esqueci de sentir. O tempo tá tão corrido. Se a tarde já se encontra assim, imagina a noite sozinho em casa: um abismo.

— Saia de cima de mim, Rádio. — Digo para o gato gordo, o qual deve ser o
único gato no planeta (e fora dele) que tem esse nome. Nem mia, nem geme, só levanta. Rabo empinado e sai desfilando das minhas pernas, rumo ao sofá. Ele olha para trás, afrontoso e vantajoso: agora ele não precisaria mais me ouvir.

No entanto, o Rádio ainda tinha uma grande batalha pela frente: me ver cantar, gritar e pular como um desequilibrado, para eu findar sentado no sofá de novo, cansado, chorando e botando alguma música triste para tocar. Alguns minutos de música e as lágrimas começam a cair. O sono me pega e eu durmo. Quando acordo, o sol está dando adeus, a lua começa a ficar bem realçada sem uma luz mais poderosa para competir com ela. As luzes da cidade estão se acendendo: mais uma noite chega.
Vou ao banheiro e tomo um belo banho morno. Não sinto nenhuma vontade de sair de lá.
Quando saí, depois de muito tempo, Rádio me esperava na porta, como se estivesse preocupado com a minha demora.

— Está tudo bem.    
                                                                                                                              
O que fazer agora? Sair com os amigos, ver a família, ir jantar com alguém ou jantar alguém? Vou me vestir e depois decido. Ponho a cueca de alguém que está satisfeito com tudo isso que a vida tem sido, me visto com minha camisa que comprei na loja: “mentiras para si mesmo”, calço os sapatos de ilusões, ponho a calça de quase derrota, aplico o perfume de solidão. Agora deixo pronta a ração noturna do Rádio, embora eu saiba que ele não vai comer sem eu aqui, prefiro que a comida do meu melhor amigo esteja garantida. Antes de sair, beijo-o e digo “Boa noite” e agora ele mia. Eu pego minha carteira de esperança que estava jogada em cima da mesa. Fecho a porta e saio para rua na esperança de que alguém me descubra, me veja, me salve, ou só troque minhas roupas mesmo.

Autor: Neo Diogenes 
Ilustração: Leonardo Alves

terça-feira, 7 de junho de 2016

Perdido.



Não sei o que está se passando nesse fraco e embriagado coração. Não consigo ver mais nada nesses olhos tristes e afundados, marcados pela expressão de uma noite mal dormida. Não consigo organizar minha mente insana; tudo nela tende a se misturar e acaba se transformando em uma confusão que agride meu ser. E eu sou frágil, querido. Eu sou como pluma, leve, e acabo me desintegrando facilmente e o faço em forma de chuva; as vezes garoas, outras tempestades. As vezes acabo perdendo meu senso de razão e fica difícil manter a compostura e fingir que não vejo o que se passa comigo. É como se eu estivesse em uma via e os carros me atropelassem mesmo o semáforo estando com o sinal vermelho onde acabo sendo jogado no canto. E daqui eu vejo o mundo fluir sem mim. Oh, eu estou no canto agora, como sempre, sozinho. Mas então, quando fecho os olhos sou puxado para a pista de dança e agora estou me segurando em você e é tudo o que tenho é tudo o que preciso... Lágrimas rolam pelo meu resto, as luzes se acendem e você é tudo o que vejo. Então te abraço e isso aquece meus ossos. Aquece minha alma. Assim, lentamente, encosto meu coração em teu peito e aos poucos vou me consertando...

Autor: Bruno Cavalcante
Ilustração: Wagner Medeiros

domingo, 5 de junho de 2016

Tem sido você.



Foi um dia qualquer. Sabe? Só não foi um olhar qualquer, e também não foi qualquer pessoa. Foi você. Foi esse sorriso e essa risada. Foi essa voz e esses lábios carnudos. Foram esses olhos e essas olhadas. Foi esse seu jeito doce e diferente de ser. Foi seu corpo nas curvas certas. Foi esse aconchego em teus braços. Foi essa sensação de bem estar. Foi você por inteira, foi você por completa. Foi bom estar com você. Mas, não foi só amizade. Não foi só desejo. Foi você. É você. Eu posso repetir o quanto tem sido teu cheiro, ou melhor, eu posso sentir o quanto tem sido teu cheiro. E por não ser qualquer um e ser você, não dá para ser mais ninguém. É você o Rock que me embala. A saudade que me aperta. A vontade que me domina. A emoção que me desconcerta. E até quando será você? Eu não sei responder. Só sei que quando deixar de ser você, eu já não serei mais eu. 

Autora: Karolini Bárbara
Ilustração: Lua Burns

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Navegação.



Põe fogo nesse poema
com tua língua pirotécnica,
abraça essas ideias e conversas
construindo navios
numa calma dialética
para que naveguem,
revezem entre mares e rios,
flutuem nessas sinuosas curvas
as quais chamamos de pernas,
arranhando como pedras no casco,
metendo-se como dedos no vazio
e desbravando por milhares de milhas náuticas,
indo e vindo com admirável brio
o qual chamamos de arrepio.

Autor: H.
Ilustração: Leonardo Alves

sábado, 21 de maio de 2016

O disparo.




Um pouco de nós está no mundo, está em tudo. Um pouco de tudo no mundo está em nós. Ainda assim beiramos o esquecimento. Sem dar muita importância ao que acabara de ler, colocou o bilhete com a grafia mal escrita ao seu lado. Encostou o cano frio no seu queixo. Fechou os olhos. Sentiu as lágrimas surgirem, mas as segurou. Soltou seu último sorriso inexplicavelmente irônico e apertou o gatilho.
MORAL: Morreu sem saber que isso que escrevia era poesia.

Autor: Johnattan Douglas
Ilustração: Wagner Medeiros

terça-feira, 17 de maio de 2016

Como é o amor?



De onde eu estava não era possível enxergar tão bem o ser parado no fim da rua. Apurei os olhos, distingui um cajado em sua mão e uma capa lhe cobrindo o corpo. Imediatamente limpei as lágrimas que ainda molhavam meu rosto e comecei a correr em direção ao ser sombrio.

As luzes dos postes estavam enfraquecidas; as casas que jaziam dos dois lados tinham suas luzes apagadas, dando a impressão de estarem vazias...

Parei de correr, ofegante. Olhei o ser encapuzado, que agora estava à poucos metros de mim, e percebi algo estranho: a ruela terminava ali, onde começava o que parecia um abismo.

O desconhecido virou-se e me fitou. Tinha uma barba enorme e branca, os cabelos iguais a barba, usava alguns farrapos como roupa, e tinha uma pele que demonstrava uns cem anos, de tão enrugada que era.

— Qual o seu nome? — balbuciei.

Ele sorriu, como se estivesse feliz em me ver.

— Sente-se aqui. — O velho disse com uma voz fraca. Então, se abaixou e sentou-se à beira do abismo, pousando o cajado ao seu lado.

Me aproximei, sentei ao seu lado e fiquei admirado com a beleza do que vi, era como se estivéssemos de frente para a galáxia... os planetas alinhados e rodeados de pequenas luzes... Lá em cima, as estrelas brilhavam como nunca haviam brilhado, enormes.

— Por que tudo está assim, tão lindo? — perguntei para o ancião.
— Lindo? Onde está vendo beleza?
— O senhor não acha lindo?

Ele soltou uma gargalhada esganiçada.

— De quê está rindo?

Pousou o braço magro em meu ombro e disse com cautela:
— De sua inocência.

Calei-me.

— Não há nada de lindo ali se você olhar bem. Olhe a Terra com isso aqui. — Ele me estendeu um objeto do tamanho de uma maçã. Parecia uma luneta, mas percebi que não era porque brilhava muito.
Segurei firme e levei o objeto brilhante até o olho direito, fechando o esquerdo. Consegui ver com muita nitidez o que antes era o meu planeta. A Terra estava destruída.
— Eu não entendo. — Devolvi.
— O quê?
— Eu moro na Terra. Como ela pode estar ali?
— Você está olhando para ela. Mas nós estamos nela. Levante-se e feche os olhos.

Obedeci.

— Agora pode abrir.

Quando abri, não havia mais galáxia, nem o abismo. A rua estava completa novamente, porém, continuava escura.

— Como o senhor fez isso?

Percebendo o silêncio, virei-me procurando o velho. Ele já estava um pouco longe.

— Como o senhor fez isso? — gritei.

Corri até ele, e o acompanhei em sua caminhada.

— Só queria te mostrar como são os humanos.
— E como somos?
— Eles. Não você. Você ainda ama, garoto. São poucos os que ainda amam.
— Como são os humanos?
— Destruidores. Assustadores.

Parei de andar.

— Como sabe?

Já um pouco distante, ele virou e disse:
— Eu os conheço há muito tempo, meu rapaz.
— E quem é o senhor?

Sorriu.

— O Amor.
— Pensei que o amor era... bem mais bonito.

O velho voltou a andar e, desta vez, sem se virar, disse algo que me tiraria o sono pelo resto da vida:
— O amor não precisa ser bonito para ser verdadeiro.

Autor: Leonardo Alves
Ilustração: Lua Burns

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Do coração que quase lhe pertenceu,



por aqui sempre fora a temporada dos amores. amores frescos, desvairados e totalmente perecíveis; suscetíveis e tendenciosos ao fracasso. um coração teimoso que insistia em doar-se, mas em toda a sua existência jamais pertenceu. tinha dúzias e dúzias de amores em suas prateleiras; a coleção crescia diariamente, mas nem mesmo todo o conjunto infinito poderia lhe preencher por completo. era exatamente como um dia inteiramente nublado e que não chove. o café morno; o cigarro que incendiou-se por inteiro; a poesia já morta. era o quase que caminhava entre a interminável sedução efêmera e a felicidade instantaneamente eterna. era indecisão extremista que no desespero constante por abrigo, acabava por atirar-se ao léu e entregar-se à vida nômade e solitária das noites de desilusão. era o maior coração que já pulsou em todas as galáxias.

ps: nessa obsessão em pertencer, ficar e ser, não pertencia nem a si. Sentia que o universo era pequeno demais para comportar-lhe.

Autor: Kelven Figueiredo
Ilustração: Kelven Figueiredo.

Amor de furacão.



Da escada em espiral
já via a menina seu futuro,
sentada no telhado
admirando o vendaval
que destruía todo o seu jardim.
Sua horta, que era sempre verde,
antes coloria o quintal,
mas agora em ruínas jazia, encolhida
e a menina, coitada,
chorando em posição fetal
aguardou no telhado a noite
que lhe trouxe uma chuva de cometas
e, enquanto o céu desabava,
voava a menina, surreal.

Autor: H.
Ilustração: Leonardo

Por favor, não pare!



Seus dedos são habitados por uma infinidade de sensações inexplicavelmente prazerosas. Neles residem a essência da felicidade e o êxtase da realização humana, algo que jamais poderá ser transcrito e esgotado por toda a abrangência da linguagem verbal, afinal se trata de uma comunicação entre almas, uma conexão abstrata e onipresente entre nossos íntimos. Ao sentir o seu toque sou tomado e possuído pelo ápice da emoção, tudo ao redor se desmaterializa e toda a beleza e dignidade da sua existência ganha forma dentro de mim, sou inteiramente amplificado, tudo ganha uma nova dimensão, um novo sentindo, você inventa e reinventa minhas experiências, enquanto eu só suplico, por favor, não pare. Eu preciso do seu toque, ele me dá proposito e uma razão de sobrevivência, eu descubro nele algo pelo qual vale a pena lutar sem sacrifício, cada suor, cada dor, cada esforço é uma celebração gloriosa e que se apresenta orgasticamente festejada nas nuances mais peculiares do meu corpo.  Não há nada que eu anseie mais do que a nossa eternidade, então por favor, não pare, eu preciso de você, minha felicidade agora está na palma da sua mão e eu não a aceitarei de volta, porque a felicidade só é de fato felicidade quando você está presente nela, o resto são apenas alegrias momentâneas e que não suprem, nem suportam, a minha persona mais natural e profunda: você, porque não existo mais sem ti. Ainda em meio a esse excesso de eufemismos, sim, eufemismos, não há exagero em nada aqui, apenas uma partícula muito ínfima do que é de fato, eu peço que por favor, não pare, eu sou um ser doente, e você é a minha patologia ao mesmo passo que é a minha cura, nada pode desmoronar, corroer e putrefaz-me como você, no mesmo impasse em que nada pode me fazer tão radiante e vivo quanto você faz. Eu matei, sem ressentimentos, o meu eu, e agora sou apenas nós, o meu toque só faz sentindo se for tocado em você, a minha existência só faz sentindo se eu existir em você, então eu imploro novamente, por favor, não pare, não pare de ser você.

Autor: Jordan Dafné
Ilustração: Gabriel Souza

Sentir.



As palavras expressam o que pensamos, o que queremos dizer… Há palavras para tudo, menos para aquilo que sentimos. A gente sente demais; sente a dor do outro, sente amor, sente esperança, sente paz, sente medo, angústia, aflição… E isso acaba nos deixando atordoados. O barulho do mundo passa a tomar conta de nós e acabamos por não escutar isso que sentimos e que não podemos pronunciar. O que sentimos é o que nos define. Somos o que sentimos, se sentimos ódio e ressentimento, somos ódio e ressentimento. Quando sentimos a dor, passamos a ser a dor. Ela é algo muito difícil por em palavras. Mas, paradoxalmente, essa dor pode ser aliviada com palavras. Todo trauma é filho de outro trauma. E para superá-los, temos que atravessar a anestesia emocional. As dores traumáticas não conhecem analgésicos e só podem ser aliviadas quando entendemos isso que sentimos. Sendo assim, o vazio é um falso remédio que acalma por um tempo, mas depois, ele passa a sufocar e voltamos a ter a necessidade de sentir. Não existe um lugar para guardar a dor, ou placebo para nos acalmar, há apenas bocas, braços, mãos e olhos para expressarmos o que sentimos. A dor é um coração cru que só pode ser curada é colocada para fora. Além de que, quando isso não acontece, a gente acaba se perdendo e vamos parar numa prateleira qualquer de uma loja de achados e perdidos, ocos, sem emoção e reação. Machucados. E se o vazio não é preenchido e a dor expulsada pra fora, começamos a nos desintegrar e virar pó.

Autor: Bruno Cavalcante
Ilustração: Gabriel Souza

Cartel da Poesia.

O Cartel da Poesia é um de nossos parceiros. Conheça-os:

O Cartel é um blog voltado à divulgação de poesias, com o intuito de dar reconhecimento a grandes escritores, pois existem muitos talentos escondidos por aí que merecem vir à tona. Todos sabem que há um grande número de Tumblrs realizando esse tipo de divulgação, mas o diferencial do Cartel é que ele divulga três escritores por semana em categorias diferentes: Escritor da Semana, Poesia da Semana e Fã da Semana. O Tumblr em questão, também rebloga todos os dias autorias com a tag #ProjetoCartel e aceita contribuições por submit. Além disso tudo, ainda possui um projeto chamado ''Espalhando Poesias'', em que levam algumas autorias para as ruas apenas para alegrar um pouco o dia das pessoas com o menor e mais simples gesto possível, ou seja, levando poesia aos seus corações. 


segunda-feira, 28 de março de 2016

Trapaça.



As diferentes formas de amar se confundem e se conflituam fervorosamente de dentro para fora e de fora para dentro, há diálogo, há lágrimas, tal qual há vontade de ferir, de fazer-se importante, de ressaltar a necessidade que um tem outro uma vez que estão regados e conectados pelo mesmo sentimento. A sintonia, a harmonia e a coerência entre aquelas duas partes que se completam tão bem se transformam num jogo, hostil, cruel! As regras materializam a imaturidade e a fragilidade, danificam  e causam arrependimentos. É complexo como xadrez, audacioso, traidor e misterioso feito cartas de baralho, corrompe e destrói um a um até completar o todo como uma fileira de dominós, onde um único sopro desencadeia um cânone quedas ritmadas e que parece interminável. O grande porém é que não somos peças de jogos, portanto, não devemos jogar, a queda de dominós pode ser a nossa queda, e doerá. A unica regra deve ser não ter regras, não busque pelas melhores estratégias de jogo, porque no final será game over para todos, não há vencedor, tenha em mente: jogar é trapacear contra si mesmo.

Autor: Jordan Dafné
Ilustração: Jordan Dafné

sexta-feira, 25 de março de 2016

Dos olhos que ardem,



da alma que queima desesperada no peito que explode; o ego que se autodestrói irradia o orgulho que se dobra; as mãos que enxugam as faces rubras; a boca aflita que mastiga a indiferença; a garganta rasa que engoliu a seco todas as mágoas que simplesmente não consegui gritar; os pulmões gastos em nicotina, tuberculose e asma, o fígado pútrido nadando em vinho barato e drinques aleatoriamente escolhidos em momentos de torpor. o coração em chagas que cresce descontroladamente e esmaga todo o resto na tentativa de se fazer maior do que pode ser, só para atender ao capricho de abrigar, inteiramente, esse sentimento que tenho a ti em meu ser. 

Autor: Kelven Figueiredo
Ilustração: Jonath Ferreira

28 dias.



Volta e meia,
rodando pela lua cheia
canta saltitante,
através da lua minguante
brilha colorida
e em cada dia se transforma
depois, some em lua nova.
Mas então,
tão de repente
volta aos poucos
uma lua crescente,
que passa por fases obscuras,
fases reluzentes,
entre marés de sizígia
e amores de quadratura
só existem três certezas na vida:
a morte, o sol e a lua.

Autor: H.
Ilustração: Leonardo

E se acabar?



Acabei percebendo que eu prefiro viver sozinho. Não é porquê eu goste, mas sim, porque eu tenho medo do amor. Tenho medo de começar a amar, depender desse amor e, de repente, ele acabar. Eu não sei reagir a finais pois sempre acabo indo junto também e já se foram tantas partes de mim, que o todo fica pequeno comparado a soma delas. É mais fácil ficar sozinho, entende? Porque, e se você acabar amando, ver que precisa dele e no fim acaba não o tendo? Como você reagiria? E se você gostar e acabar dependendo dele? E se tudo que você planejar em sua vida for em torno desse amor e ele acabar? Eu, particularmente, não conseguiria sobreviver a essa dor. Um amor acaba se tornando um coração fora do nosso corpo, e independente de qualquer coisa, ele bate em conjunto com o que está dentro de nós. Perder um amor é, então, como perder algo que nos ajudava a ficarmos vivos e sem ele, nós acabamos morrendo. Morremos e ao mesmo tempo o nosso corpo continua aqui. Bem aqui. Passa a existir. Tudo que gostávamos se transforma em algo chato. Tudo o que fazíamos passa a não ter mais sentido. Tudo o que sentíamos acaba evaporando. Mas sabe o que é pior? Finda-se tudo que éramos.

Autor: Bruno Cavalcante
Ilustração: Matheus Dantas

A temporada das cores se foi mais cedo nesta geração.



um arco íris preto e branco enfeita os céus enquanto tudo ao redor passa sem graça. sorrisos opacos não são suficientes para esconder suas almas sem vida, porque tornaram-se rasos e foram reduzidos a mera aparência. o medo de sofrer lhes impede de viver diariamente, por isso vestem suas máscaras pintadas de perfeição enquanto lamentam não serem bons o suficiente para encaixar-se em tantos padrões idealizados. a raça humana está amedrontada pelas traições, mentiras e ilusões que colecionaram ao longo dos milênios. estão presos num presente faz de conta em que transbordam alegria artificial durante o dia e choram as lamúrias de suas vidas miseráveis à noite. não conseguem estancar o sangramento interno ou controlar os danos; abandonaram-se com a desculpa de que o tempo os cicatrizaria. de acordo com newton, o somatório das forças se reduz a zero; e devido a tentativa de somar tudo, acabaram fadados à exclusiva existência, esquecendo-se de viver. os humanos têm essa estranha necessidade em se perder para só então se encontrarem. contudo, não se pode controlar as coisas que os deixam sem rumo. as pessoas estão paradas assistindo a vida que está sendo deixada para trás, ao invés de apenas aceitarem que acabou; então acabam se perdendo de novo. e tudo isto acaba se tornando um ciclo. não entendem que é preciso permanecer transponível para onde quer que o vento sopre depois.

Autores: Bruno Cavalcante e Kelven Figueiredo
Ilustração: Gabriel Souza