sábado, 18 de junho de 2016

Querido senhor Sabichão,


creio que faça jus ao apelido se comparado a tudo o que você sabe e aprendeu ao longo de seu curto tempo caminhando em crostas terrestres. Acredito que toda a sabedoria adquirida nos livros, teorias e pesquisas sirvam para uma porção de coisas como afagar o ego, elaborar uma conversa com um estranho sobre determinado assunto e uma infinidade de coisas que não cabem nesta folha de papel, mas Infelizmente todas essas teorias, pesquisas e informações que você carrega com tanto esmero, se contradizem e caem uma perante a outra porque nenhuma é sólida o bastante para compreender esse bicho arisco e complicado que a vida tem sido desde que Existência tomou consciência. 

É uma pena que você não tenha lido os livros certos, porque se tivesse se interessado por um livrinho fino e colorido com um garoto loiro de conjuntinho verde em traço torto na capa saberia que "o essencial é invisível aos olhos" e não há livro ou teórico bom o bastante que nos ajude nessa loucura cotidiana que é a vida com todos o seus setores concretos, abstratos e sonhados. 

Em seu vasto repertório falta o estudo dos sentimentos, o convívio para além das páginas, a sensibilidade e a percepção. Falta empatia e principalmente amor. Sim, meu caro,  AMOR essa palavra curta com milhões de significados, ideologias e interpretações em que todas parecem corretas, mas que no fundo jamais se soube definir bem o que é. 

Eu bem que tentei te ensinar sutilmente e te entreguei todo o meu coração, sem pensar muito no que aconteceria depois. Fostes um hóspede que desde o primeiro instante fora tratado como proprietário. Alguém que eu pensei ser capaz de aprender a amar como livro algum jamais ensinou, porque o amor precisa ser vivido e construído diariamente. Mas a sua obsessão pelo saber tornou-se a sua loucura. Não entende que a compreensão total dos sentimentos é algo para o coração, aquele órgão abstrato que venho lhe falando diariamente e que não é possível encontrar nas prateleiras de biologia das mais completas bibliotecas. 

Para ser mais didático e garantir que compreenda: Numa relação bem simples eu estive para nós como você nunca esteve nem para você mesmo. 

Estive porque amanhã de manhã já não estarei mais. E finalmente me livrarei dessa relação de mestre e aluno, cuja tanto me desgastou.  Espero que um dia você perceba que essa história toda de "aluno e professor" só cai bem para a música do cazuza. 

Do seu pupilo grato pela bênção de jamais ter aprendido uma lição sequer.

Autor: Kelven Figueiredo
Ilustração: Wagner Medeiros

terça-feira, 14 de junho de 2016

Quando o amor passou a ser sintoma de doença.



Não me lembro bem, mas tentarei relatar os fatos tais como ocorreram.

Fora naquela manhã, antes deu ir p’ra a faculdade – seus lábios foram de encontro a minha pele, ao que seus dentes cravaram-se numa mordida súbita em minhas costas – e só me dei conta quando já estava na metade do trajeto, quase em colapso num dos assentos do metrô.

Meu corpo febril e entorpecido me informava de que algo estava errado.

Calafrios me atingiam vez ou outra em contraste com as batidas aceleradas do meu coração – que mais parecia querer compensar as pulsações, pois pararia a qualquer instante.

O metrô aparentava correr em câmera lenta sobre os trilhos. Algo estava errado e eu só conseguia pensar no ocorrido daquela manhã.

Flashes borrados e distantes disparavam em minha mente.

A ficha estava caindo.

Acho que havia chegado minha hora.

Lá estava eu, sendo atingido pelas sensações que me invadiam o corpo sem nem ao menos pedirem licença.

Vivíamos num mundo no qual lutávamos por uma sobrevivência cotidiana mesquinha. Num momento de distração, descuido, guarda baixa... Deixei-me contagiar.

Seria meu fim ou um começo de uma nova vida tão pouco desejada nas situações atuais?

Lembro-me dos teus olhos sobre mim, como quando admiramos uma torta de frutas vermelhas atrás do balcão. Naquele momento, pensei estava eu protagonizando o papel de presa em seu show e ela não parecia querer abrir mão daquilo. Hipnotizou-me com teus beijos. Marcou-me com tuas mordidas. Ganhou-me com tuas juras...

É, meus caros antes eu estivesse me transformando em um zumbi sedento por cérebro, mas acho que estou apaixonado… sedento por alguns afagos. 


Autora: Lorena Ferreira
Ilustração: Lua Burns

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Guarda-roupas.



Vou pegar o controle do som que está no outro sofá e sou obrigado a tirar, infelizmente, o meu gato do meu colo. Já faz umas meias hora que estou desabafando para o coitado do felino que deve estar cheio de tanto comer e cheio de mim. É uma tarde diferente: estou me sentindo sozinho. Faz séculos que não sinto a solidão, porque é sempre tão presente que quase nunca bate forte. Talvez me esqueci de sentir. O tempo tá tão corrido. Se a tarde já se encontra assim, imagina a noite sozinho em casa: um abismo.

— Saia de cima de mim, Rádio. — Digo para o gato gordo, o qual deve ser o
único gato no planeta (e fora dele) que tem esse nome. Nem mia, nem geme, só levanta. Rabo empinado e sai desfilando das minhas pernas, rumo ao sofá. Ele olha para trás, afrontoso e vantajoso: agora ele não precisaria mais me ouvir.

No entanto, o Rádio ainda tinha uma grande batalha pela frente: me ver cantar, gritar e pular como um desequilibrado, para eu findar sentado no sofá de novo, cansado, chorando e botando alguma música triste para tocar. Alguns minutos de música e as lágrimas começam a cair. O sono me pega e eu durmo. Quando acordo, o sol está dando adeus, a lua começa a ficar bem realçada sem uma luz mais poderosa para competir com ela. As luzes da cidade estão se acendendo: mais uma noite chega.
Vou ao banheiro e tomo um belo banho morno. Não sinto nenhuma vontade de sair de lá.
Quando saí, depois de muito tempo, Rádio me esperava na porta, como se estivesse preocupado com a minha demora.

— Está tudo bem.    
                                                                                                                              
O que fazer agora? Sair com os amigos, ver a família, ir jantar com alguém ou jantar alguém? Vou me vestir e depois decido. Ponho a cueca de alguém que está satisfeito com tudo isso que a vida tem sido, me visto com minha camisa que comprei na loja: “mentiras para si mesmo”, calço os sapatos de ilusões, ponho a calça de quase derrota, aplico o perfume de solidão. Agora deixo pronta a ração noturna do Rádio, embora eu saiba que ele não vai comer sem eu aqui, prefiro que a comida do meu melhor amigo esteja garantida. Antes de sair, beijo-o e digo “Boa noite” e agora ele mia. Eu pego minha carteira de esperança que estava jogada em cima da mesa. Fecho a porta e saio para rua na esperança de que alguém me descubra, me veja, me salve, ou só troque minhas roupas mesmo.

Autor: Neo Diogenes 
Ilustração: Leonardo Alves

terça-feira, 7 de junho de 2016

Perdido.



Não sei o que está se passando nesse fraco e embriagado coração. Não consigo ver mais nada nesses olhos tristes e afundados, marcados pela expressão de uma noite mal dormida. Não consigo organizar minha mente insana; tudo nela tende a se misturar e acaba se transformando em uma confusão que agride meu ser. E eu sou frágil, querido. Eu sou como pluma, leve, e acabo me desintegrando facilmente e o faço em forma de chuva; as vezes garoas, outras tempestades. As vezes acabo perdendo meu senso de razão e fica difícil manter a compostura e fingir que não vejo o que se passa comigo. É como se eu estivesse em uma via e os carros me atropelassem mesmo o semáforo estando com o sinal vermelho onde acabo sendo jogado no canto. E daqui eu vejo o mundo fluir sem mim. Oh, eu estou no canto agora, como sempre, sozinho. Mas então, quando fecho os olhos sou puxado para a pista de dança e agora estou me segurando em você e é tudo o que tenho é tudo o que preciso... Lágrimas rolam pelo meu resto, as luzes se acendem e você é tudo o que vejo. Então te abraço e isso aquece meus ossos. Aquece minha alma. Assim, lentamente, encosto meu coração em teu peito e aos poucos vou me consertando...

Autor: Bruno Cavalcante
Ilustração: Wagner Medeiros

domingo, 5 de junho de 2016

Tem sido você.



Foi um dia qualquer. Sabe? Só não foi um olhar qualquer, e também não foi qualquer pessoa. Foi você. Foi esse sorriso e essa risada. Foi essa voz e esses lábios carnudos. Foram esses olhos e essas olhadas. Foi esse seu jeito doce e diferente de ser. Foi seu corpo nas curvas certas. Foi esse aconchego em teus braços. Foi essa sensação de bem estar. Foi você por inteira, foi você por completa. Foi bom estar com você. Mas, não foi só amizade. Não foi só desejo. Foi você. É você. Eu posso repetir o quanto tem sido teu cheiro, ou melhor, eu posso sentir o quanto tem sido teu cheiro. E por não ser qualquer um e ser você, não dá para ser mais ninguém. É você o Rock que me embala. A saudade que me aperta. A vontade que me domina. A emoção que me desconcerta. E até quando será você? Eu não sei responder. Só sei que quando deixar de ser você, eu já não serei mais eu. 

Autora: Karolini Bárbara
Ilustração: Lua Burns