quinta-feira, 9 de junho de 2016

Guarda-roupas.



Vou pegar o controle do som que está no outro sofá e sou obrigado a tirar, infelizmente, o meu gato do meu colo. Já faz umas meias hora que estou desabafando para o coitado do felino que deve estar cheio de tanto comer e cheio de mim. É uma tarde diferente: estou me sentindo sozinho. Faz séculos que não sinto a solidão, porque é sempre tão presente que quase nunca bate forte. Talvez me esqueci de sentir. O tempo tá tão corrido. Se a tarde já se encontra assim, imagina a noite sozinho em casa: um abismo.

— Saia de cima de mim, Rádio. — Digo para o gato gordo, o qual deve ser o
único gato no planeta (e fora dele) que tem esse nome. Nem mia, nem geme, só levanta. Rabo empinado e sai desfilando das minhas pernas, rumo ao sofá. Ele olha para trás, afrontoso e vantajoso: agora ele não precisaria mais me ouvir.

No entanto, o Rádio ainda tinha uma grande batalha pela frente: me ver cantar, gritar e pular como um desequilibrado, para eu findar sentado no sofá de novo, cansado, chorando e botando alguma música triste para tocar. Alguns minutos de música e as lágrimas começam a cair. O sono me pega e eu durmo. Quando acordo, o sol está dando adeus, a lua começa a ficar bem realçada sem uma luz mais poderosa para competir com ela. As luzes da cidade estão se acendendo: mais uma noite chega.
Vou ao banheiro e tomo um belo banho morno. Não sinto nenhuma vontade de sair de lá.
Quando saí, depois de muito tempo, Rádio me esperava na porta, como se estivesse preocupado com a minha demora.

— Está tudo bem.    
                                                                                                                              
O que fazer agora? Sair com os amigos, ver a família, ir jantar com alguém ou jantar alguém? Vou me vestir e depois decido. Ponho a cueca de alguém que está satisfeito com tudo isso que a vida tem sido, me visto com minha camisa que comprei na loja: “mentiras para si mesmo”, calço os sapatos de ilusões, ponho a calça de quase derrota, aplico o perfume de solidão. Agora deixo pronta a ração noturna do Rádio, embora eu saiba que ele não vai comer sem eu aqui, prefiro que a comida do meu melhor amigo esteja garantida. Antes de sair, beijo-o e digo “Boa noite” e agora ele mia. Eu pego minha carteira de esperança que estava jogada em cima da mesa. Fecho a porta e saio para rua na esperança de que alguém me descubra, me veja, me salve, ou só troque minhas roupas mesmo.

Autor: Neo Diogenes 
Ilustração: Leonardo Alves