De onde eu estava não era possível enxergar tão bem o ser parado no fim da rua. Apurei os olhos, distingui um cajado em sua mão e uma capa lhe cobrindo o corpo. Imediatamente limpei as lágrimas que ainda molhavam meu rosto e comecei a correr em direção ao ser sombrio.
As luzes dos postes estavam enfraquecidas; as casas que jaziam dos dois lados tinham suas luzes apagadas, dando a impressão de estarem vazias...
Parei de correr, ofegante. Olhei o ser encapuzado, que agora estava à poucos metros de mim, e percebi algo estranho: a ruela terminava ali, onde começava o que parecia um abismo.
O desconhecido virou-se e me fitou. Tinha uma barba enorme e branca, os cabelos iguais a barba, usava alguns farrapos como roupa, e tinha uma pele que demonstrava uns cem anos, de tão enrugada que era.
— Qual o seu nome? — balbuciei.
Ele sorriu, como se estivesse feliz em me ver.
— Sente-se aqui. — O velho disse com uma voz fraca. Então, se abaixou e sentou-se à beira do abismo, pousando o cajado ao seu lado.
Me aproximei, sentei ao seu lado e fiquei admirado com a beleza do que vi, era como se estivéssemos de frente para a galáxia... os planetas alinhados e rodeados de pequenas luzes... Lá em cima, as estrelas brilhavam como nunca haviam brilhado, enormes.
— Por que tudo está assim, tão lindo? — perguntei para o ancião.
— Lindo? Onde está vendo beleza?
— O senhor não acha lindo?
Ele soltou uma gargalhada esganiçada.
— De quê está rindo?
Pousou o braço magro em meu ombro e disse com cautela:
— De sua inocência.
Calei-me.
— Não há nada de lindo ali se você olhar bem. Olhe a Terra com isso aqui. — Ele me estendeu um objeto do tamanho de uma maçã. Parecia uma luneta, mas percebi que não era porque brilhava muito.
Segurei firme e levei o objeto brilhante até o olho direito, fechando o esquerdo. Consegui ver com muita nitidez o que antes era o meu planeta. A Terra estava destruída.
— Eu não entendo. — Devolvi.
— O quê?
— Eu moro na Terra. Como ela pode estar ali?
— Você está olhando para ela. Mas nós estamos nela. Levante-se e feche os olhos.
Obedeci.
— Agora pode abrir.
Quando abri, não havia mais galáxia, nem o abismo. A rua estava completa novamente, porém, continuava escura.
— Como o senhor fez isso?
Percebendo o silêncio, virei-me procurando o velho. Ele já estava um pouco longe.
— Como o senhor fez isso? — gritei.
Corri até ele, e o acompanhei em sua caminhada.
— Só queria te mostrar como são os humanos.
— E como somos?
— Eles. Não você. Você ainda ama, garoto. São poucos os que ainda amam.
— Como são os humanos?
— Destruidores. Assustadores.
Parei de andar.
— Como sabe?
Já um pouco distante, ele virou e disse:
— Eu os conheço há muito tempo, meu rapaz.
— E quem é o senhor?
Sorriu.
— O Amor.
— Pensei que o amor era... bem mais bonito.
O velho voltou a andar e, desta vez, sem se virar, disse algo que me tiraria o sono pelo resto da vida:
— O amor não precisa ser bonito para ser verdadeiro.
Autor: Leonardo Alves
Ilustração: Lua Burns